O dia 27 de setembro de 2022 foi marcado por uma enorme conquista para o Programa de Pós Graduação em Ciências Biológicas - CBIOL da Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP: a concessão de patente do projeto de pesquisa “Formulação Micelar Termoreversível Contendo Quercetina e Vildagliptina para administração oral em diabetes tipo 1”, realizado pela professora Daniela Caldeira Costa, em parceria com o egresso do CBIOL, Pedro Henrique de Amorim Miranda. A pesquisa contou ainda com a colaboração dos professores José Mario Barichello (UFPe) e Wanderson Geraldo Lima (UFOP) e possui grande relevância para o tratamento de diabetes tipo 1.
Em entrevista ao CBIOL, Daniela Caldeira conta como foi o processo da pesquisa até chegar ao patenteamento: “A pesquisa iniciou em 2014 com a chegada do doutorando Pedro Henrique de Amorim Miranda no CBIOL. Naquele mesmo ano eu aprovei o projeto intitulado “Desenvolvimento, caracterização e avaliação do potencial antidiabético de formulações contendo vildagliptina e quercetina em um modelo experimental de diabetes tipo 1” no Edital Universal CNPq (Processo: 454472/2014-5) e no ano seguinte a continuidade dessa proposta foi aprovada no Edital Universal FAPEMIG (APQ-01453-15), além do Auxílio Pesquisador da UFOP”. A docente frisa que todos esses investimentos na pesquisa foram determinantes para a realização do projeto.
De acordo com a professora, o racional teórico dessa proposta baseia-se no fato de que alguns estudos da literatura mostravam que a vildagliptina, apesar de ser um fármaco aprovado para o tratamento do diabetes tipo 2, apresentou resultados interessantes na regeneração e preservação de células beta pancreáticas em modelo animal. Ela explica também que, além disso, os pesquisadores sabiam que o estresse oxidativo, característico do diabetes, poderia prejudicar esse processo de regeneração das células beta. “Assim, racionalizamos que o uso de um antioxidante poderia auxiliar tanto no processo de regeneração quanto de preservação dessas células, protegendo-as do ataque das espécies reativas. Mas nesta perspectiva não poderia ser qualquer antioxidante, por isso iniciamos uma busca na literatura para averiguarmos dentre os antioxidantes utilizados em estudos pré-clínicos qual teria um melhor efeito na preservação de células beta e regulação glicêmica.”, explica.
Foi a partir deste questionamento que Daniela e Pedro Henrique chegaram à conclusão de que a quercetina poderia ser uma boa opção. Contudo, eles encontram um desafio: sua baixa absorção intestinal, o que poderia ser um passo limitante ao uso desse antioxidante como um agente antidiabético oral. A professora então recorreu a outros profissionais para ajudar no prosseguimento da pesquisa. “Nessa ocasião, comecei a conversar com o professor Dr. José Mario Barichello (na época professor recém-chegado na Escola de Farmácia da UFOP e atualmente professor na Universidade Federal de Pelotas). Barichello trabalhava com um sistema polimérico denominado poloxamer 407 (P-407), que poderia favorecer a solubilização de compostos com baixa solubilidade em água, como a quercetina. Assim, o desenvolvimento dessa formulação poderia ser promissor no transporte de flavonoides, como a quercetina, possibilitando uma incorporação estável e favorável à liberação controlada do composto. Assim, o primeiro desafio foi desenvolver uma formulação contendo vildagliptina e quercetina a partir de soluções de P-407.”, esclarece.
“Feito isso, iniciamos os estudos in vivo em modelo pré-clínico de diabetes tipo 1. Nesse modelo, as células beta do animal são destruídas pelo fármaco aloxano e incapazes de produzir insulina. Nossos resultados iniciais mostraram que a formulação apresentava efeitos benéficos na regulação glicêmica de ratos diabéticos e assim iniciamos o processo de submissão da patente.”, comenta Daniela. Para que a concessão da patente fosse realizada, a professora buscou auxílio do Núcleo de Inovação Tecnológica e Empreendedorismo, o NITE, e que, segundo ela, foi essencial para conseguir a submissão da patente, pois o processo apresenta muitos detalhes e a forma de escrita é bem diferente do que seria para um artigo científico. Ela diz que “as orientações do NITE foram essenciais para o sucesso da submissão.”
Daniela comenta também que paralelamente ao processo de submissão da patente, o egresso do CBIOL, Pedro Henrique, continuou seus experimentos para aumentar a robustez dos dados. Em colaboração com o professor Wanderson Geraldo de Lima (professor também vinculado ao programa), eles realizaram vários experimentos que auxiliaram em todas as análises histológicas e de imuno-histoquímica. “Os resultados dessa pesquisa mostraram que a formulação foi responsável por melhorar a homeostase metabólica em ratos diabéticos tipo 1.”, relata.
Importância para a sociedade
Para Daniela, a pesquisa apresenta grande relevância para uma abordagem menos invasiva para o tratamento do diabetes tipo 1. “Sabe-se que a dificuldade em controlar os níveis glicêmicos por parte dos indivíduos afetados resulta na menor aderência aos medicamentos e comprometimento do tratamento. Isto ocorre principalmente devido ao tratamento insulínico ser invasivo e incômodo e por isso uma abordagem para tratamento oral seria inovadora e traria benefícios para a população diabética.”
Apesar dos avanços, a pesquisadora afirma que está apenas “engatinhando” nessa nova abordagem. “Necessitamos de estudos clínicos bem delineados com uma equipe multidisciplinar para conseguirmos avançar nessa pesquisa, sem contar que seriam necessários muito mais investimentos, tanto recursos públicos quanto privados. Infelizmente, no momento, não temos financiamento e infraestrutura para continuar a pesquisa em estudos clínicos.”, explica.
Valorização da ciência
Embora tenha muito ainda a se pesquisar e muitas dificuldades, a professora comenta que a notícia da concessão da patente foi uma injeção de ânimo. “Me fez sentir toda aquela motivação e perseverança que tinha quando comecei a pesquisa. Não é fácil fazer pesquisa sem a valorização necessária, mas me sinto revigorada com essa conquista e continuarei a lutar pela ciência e inovação brasileira”.
Ela ainda acrescenta: “Acredito que a conquista da patente será importante para a avaliação do CBIOL e incentivará outros professores a percorrer esta trajetória, que é árdua e requer muita dedicação, mas sempre vale a pena perseverar. Espero que outros estudantes e professores se incentivem a buscar o auxílio do NITE para orientá-los no processo de submissão de patentes junto ao INPI.”
Os resultados da tese do Pedro Henrique foram publicados na revista Scientific Reports em 2018. Você pode acompanhar as novidades do Laboratório de Bioquímica Metabólica pelo site ou pelo instagram @bioquimicametabolicaufop